A crise ferrou os desenhistas?

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Atualmente com a taxa de 12,4% de desemprego segundo o IBGE, e o encolhimento do mercado editorial, fica difícil para muitos desenhistas brasileiros acreditarem em uma possível estabilidade profissional, ainda mais sabendo que 4,8 milhões de trabalhadores desistiram de procurar emprego neste segundo semestre. Mas será mesmo que essa crise ferrou os desenhistas? Ainda mais considerando as dificuldades próprias da profissão? Antes, vou destacar alguns fatos e contextualizar alguns pontos…

Lembro quando a mídia começou a divulgar que esta crise surgiu em 2014, e até muitos ainda acreditam nisso; mas, analisando mais a fundo, percebe-se que em tal ano, surgiram na verdade os primeiros grandes efeitos, sendo então que as grandes causas da iminente crise desenvolveram-se um ano antes, em 2013. Se refletirmos com afinco e buscarmos as fontes, perceberemos que no final das contas, tudo isso tem sido uma bola de neve que já vem rolando há muitos anos. E mais do que culpar governo, temos que admitir uma coisa, os políticos brasileiros são nada mais que um reflexo do povo; por isso, entra ano sai ano, sempre tem algum “novo” político, com vícios velhos, pois se vendem fácil, contaminando-se com os podres dos demais. Assim as possibilidades de escolha que temos são muito ruins. Vivemos portanto, uma grande crise moral, que reflete em todos os setores, fato que, ainda que se tenha profissionais tecnicamente poderosos, também teremos “políticos” indiferentes a um senso de unidade, que pensam somente em si ou no interesse de um pequeno grupo, este último que hoje até conhecemos na politicagem como “partido”. Só o termo já denota uma divisão, coisa que na política clássica seria totalmente o contrário. Deveríamos ter um governo que dirigisse todos a um bem em comum.

E daí? Como ficam os desenhistas, você deve estar se perguntando… Se olhar para os problemas, vai ficar sem esperança é claro; pois, se antes de todos estes fatos já era complicado viver de desenho, quem dirá agora com essa politicagem que só afunda o país, totalmente avessa ao empreendedorismo. Mas tem mais bomba vindo, entre muitas coisas curiosas nesse meio…

 

Sinais agravantes da crise

Não quero deixar você em pânico, mas a seguir vou destacar alguns agravantes que interferem diretamente nas oportunidades para os desenhistas.

Queda nas bancas

As bancas são também a vitrine e a loja para a saída de muitos trabalhos do ramo editorial, que dependem da mão de obra dos desenhistas; pois comercializam: quadrinhos, cursos de desenho, revistas diversas ilustradas, livros ilustrados, jogos, passatempos, etc.  Eu andei conversando recentemente com alguns donos de banca, da minha região e de São Paulo, e a queixa era a mesma, as vendas vem caindo drasticamente; inclusive alguns disseram que, se não fosse o álbum de figurinhas da Copa do Mundo desse ano, venda que tradicionalmente é bastante significativa em outros anos, já estariam fechando as portas logo neste segundo semestre. Ou seja, o consumidor está sem dinheiro, e priorizando coisas básicas. Mas é óbvio que o comportamento do mercado está mudando também, fato que se soma a crise. Sim, muito do que se comercializa com algum toque da mão de obra desenhista é importada; mas mesmo assim, a chance dos desenhistas vingarem nesse meio, a porta da esperança dos que ainda não ingressaram ou pensavam nisso, foi desestimulada como andamos vendo; exceto as raras oportunidades, como as do estúdios Mauricio de Sousa que ainda se mantém no mercado, mas nem por isso tem deixado de sentir as complicações da crise, até porque ela está com tudo! Tínhamos inclusive, estúdios importantes, que infelizmente fecharam as portas.

Livrarias vendendo menos

O fechamento de diversas livrarias pelo país tem sido um dos reflexos da crise, concomitante ao desinteresse do brasileiro pela leitura e a constante transformação do mercado. Para se ter uma ideia, a GfK e ANL, empresas líderes em inteligência do mercado, revelaram que em junho, o faturamento de livros caiu cerca de 5% se comparado ao mesmo período do ano passado. Até grandes livrarias estão com dificuldades em pagar seus fornecedores, como é o caso da Saraiva, Cultura e Fnac, uma situação bastante chamativa, dado o fato delas terem um grande destaque na história neste respectivo segmento de mercado.

Editoras vendendo menos

Consequentemente as editoras estão sentindo os efeitos, seja nas baixas vendas do varejo, tanto quanto nos atrasos de pagamentos que elas vem recebendo no atacado. Veja que algumas das grandes livrarias estão em dívida com diversas editoras, como foi o caso da Saraiva; inclusive foi por isso, que até a Mythos, uma das fornecedoras da Saraiva chegou a divulgar em nota, suspender o fornecimento de suas publicações para alguns de seus clientes. Tem até editora que já fechou pelo mesmo motivo. O preço do papel é ainda outra coisa que vem subindo, e consequentemente interferindo nos lucros das editoras.

Aos poucos as editoras começam a se dar conta e atenção a um novo mercado, as publicações digitais, que através do terreno “bem adubado” dos dispositivos móveis (devido a velocidade tecnológica), aceitam as mais diversas formas de interação humana. As publicações digitais para estes dispositivos, tem sido massivamente estimulada, e fidelizando clientes, através de grandes plataformas e lojas, como: Google Play e Amazon. No caso da pirataria, que não é um problema novo, vem se somando e piorando a situação. A JBC, por exemplo já entrou na era digital, com direito a publicações de mangá simultâneas com o Japão; e esse fato é bastante interessante, porque vem de uma tendência, no Japão a venda de mangás digitais já são maioria sobre os mangás físicos.

Oportunidades profissionais não são as mesmas

Tanto quem comercializa seus próprios produtos, quanto realiza freelas, ou mesmo procura emprego, percebeu que o “rio não está para peixe”; realidade que assola até mesmo quem já é veterano no mercado. Está difícil vender material, conseguir oportunidades; entretanto, percebe-se que novas tendências e novos mercados estão surgindo, caminho que aos poucos instiga novos posicionamentos e novas formas de atender o mercado.

 

Sinais de mudança

As crises devem ser evitadas, mas quando alguma surge em peso, é sinal de que houve negligência de uma ou mais pessoas e de que algo precisa morrer para dar origem ao novo, e como já dissemos anteriormente, a etimologia da palavra diz isso, “mudança”! Se está na hora de arregaçar as mangas para o “novo”, vai mesmo demandar sacrifício para abandonar o velho modo de se fazer as coisas. Se o desinteresse pela leitura, que também é outro ponto agravante, coisa que alguns especialistas justificam pela falta de estímulo no ensino; chegou a hora de uma nova abordagem, porque infelizmente os jovens andam desviando mais atenção para uma formação Youtuber, que nem sempre acrescenta, tornando-os reféns de suas respectivas ilusões, pois muita coisa é só futilidade, exceto alguns canais que são grandes tesouros para nós. Se moralmente estamos fúteis, temos que mudar a linguagem para atender os jovens olhares, mas sem perder nossa identidade. Mas isso com certeza demanda um valor, a criatividade! Veja que Mauricio de Sousa, por exemplo, tem sido um grande empreendedor que instigou muitos jovens (inclusive eu), a apreciar a leitura; ainda que seu entorno o desestimulasse no início de sua carreira; veio e ainda vem com diferentes linguagens que tocam os jovens para fazê-los gostar do conhecimento, porém de uma forma divertida. No início, muita gente não deu valor, mas sorte a nossa que ele teve visão e correu atrás.

 

Ainda há esperança?

Ainda que tenha suas dificuldades, não podemos deixar que os efeitos da crise nos imobilize, pois são sinais da mudança, situação que implicará em novos posicionamentos, revisão de estratégias, e principalmente quebra de costumes e condicionamentos. Quem não fizer isso, será simplesmente jogado para escanteio.

Mais do que esperança, podemos dizer mais… Desenhista é a profissão do futuro! O pessoal só precisa se dar conta que as oportunidades estão surgindo a todo momento, só não é do modo que estavam esperando!

Há algumas décadas, a profissão desenhista era vista pelas pessoas como um sonho quase que inalcançável. Não era bem isso na verdade, mas não deixava de ser uma árdua missão engrenar num seleto e prestigiado mercado que, consequentemente, selecionava somente os melhores e mais persistentes talentos, exceto os raros casos de desenhistas que tinham êxito em conseguir uma vaga ou outra sem muito esforço. Antes mandava muito uma indicação, um bom contato; não que agora não seja, mas vale destacar que alguém servindo de escada para seu sucesso era crucial.

Mas o tempo passou e os dias são outros, a tecnologia e a velocidade de informação apresentou necessidades e diversas possibilidades, razão pela qual hoje nos permite deparar com mais de 30 profissões ligadas a desenho, seja para a concepção de: games, aplicativos, livros, construções arquitetônicas, animações, pinturas, charges para jornal, artes gráficas, vestuário, acessórios, jóias, sites, vídeos, peças e máquinas, produtos manufaturados, retratos, caricaturas, tatuagens, entre outras coisas.

Game designer em ascensão

O mercado de games, por exemplo, que requer muito trabalho dos chamados game designers e outros profissionais do desenho, está crescendo mesmo diante da crise. Para se ter uma ideia, segundo os dados da Newzoo, uma empresa de inteligência de marketing, o Brasil deve movimentar mais de US$ 1,5 bilhão só este ano, um aumento de 13,34% em relação ao ano passado. É um crescimento tão grande, que a indústria de games fatura mais que a do cinema e música juntos. Só em 2016, faturou no mundo todo, US$ 91 bilhões, segundo um levantamento da Superdata Research.

A necessidade dos Designers de aplicativos

Meu Deus! Mais uma possibilidade que está crescendo muito, o Designer de aplicativos! Veja que praticamente a maioria das pessoas que você conhece tem um smartphone, e diante da facilidade de se criar aplicativos para eles, até mesmo com softwares e sites gratuitos que facilitam essa engenhosidade para publicar em uma Google Play e App Store da vida, surgiram uma série de oportunidades lucrativas, seja para quem trabalha para empresas de TI, no desenvolvimento mobile, quanto para quem empreende ganhando dinheiro com a venda ou rentabilização de aplicativos.

 

Mais chances no mercado

Com as diversas ferramentas online, e o baixo custo para colocar sua cara e arte na internet, a chance dos desenhistas levarem seus talentos para o público e trabalhar com desenho, tornou as editoras menos poderosas, no que se refere a uma chance de trabalhar com desenho. Publicar ficou super fácil, viver disso nem tanto, mas já é possível. E ainda que a qualidade oscile incrivelmente, com trabalhos bem amadores até os mais poderosos, o que tornou os desenhistas comercialmente poderosos foi o contato online com os respectivos fãs, gerando assim uma identificação, fortes laços que fidelizam uma carreira à medida que continuaram conquistando seus respectivos e novos fãs. Os “youtubers” e “bloggers” são uma boa prova disso.

 

Enfim, acredito que nosso cenário tende a mostrar que a profissão desenhista é a profissão do futuro, que na verdade até já começou; basta o desenhista aprender a identificar as oportunidades e investir com todo o coração e peito aberto para o novo; pois, o mercado oscila, requerendo então um novo posicionamento para que você desenhista possa de fato aproveitar as oportunidades. Abra seu olho, e saia dos condicionamentos. Seja criativo, e vença a crise superando seus aparentes limites!

 

2 comentários sobre “A crise ferrou os desenhistas?

  1. Excelente texto, Mateus! Eu estou entre os milhões de desempregados e já tentei algumas coisas na área do desenho como fazer estampas de camisas, retratos e caricaturas e isso para o mercado internacional mas ainda sem sucesso. Vendo essa situação das editoras e mudança do livro físico para o digital, existe aí uma outra oportunidade que é o designer de e-books.

    1. Grato Vinícius. Acho que antes os desenhista já tinham dificuldades, agora fica mais difícil ainda para grande parte enxergar saída. Empreender a carreira não é uma coisa que uma mente artística tende a fazer bem, poucos valorizam e qualificam nessa parte, e ainda um número menor desse grupo verá saída. Entretanto, as possibilidades e tentativas fazem parte, como as que você citou; trilhar por aí num cenário desfavorável denota persistência e espírito de luta. O complicado é que nossos clientes brasileiros estão sem dinheiro, coisa que complica. Mas o mercado internacional agora é acessível para nós, e além de comissions ou ilustrações, permite que através da internet, formas de renda através de e-books, bancos de imagem, rentabilização digital dos gringos (em mobile e desktop), já começa a se popularizar ao alcance dos designers de todo o mundo. Isso está bombando também, tem até ferramenta gratuita ajudando nisso. Acho que isso daria um outro post bacana.

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